Sunday, June 3, 2007

A Cerejeira

Dia letárgico, onde muito se tem a fazer e pouco se quer...
Rsolvi então postar um texto meio antigo que escrevi, mas extremamente cíclico, que vez ou outra me define perfeitamente [como hoje].

A CEREJEIRA

Aos pés da grande cerejeira, ela já sorriu, chorou, sonhou, planejou, amou, odiou, numa quimera perfeita, açulada pelo vento do fim da tarde, que acaricia seus cabelos longos e negros e leva consigo as folhas secas e as flores com cheiro de lágrima. Um altar inviolável, onde repousam suas memórias e estão enterradas suas aspirações, que é contemplado como uma sinfonia com ar funesto.

Aos pés da grande cerejeira, ela deitou na grama e sentiu a umidade da terra tocar sua pele descorada. Sentiu vida! Talvez fosse a sua vida, ali muitas vezes deixada. Sim, aquilo era vida! Aquele lugar, como tantas outras vezes, oferecia às suas enfermidades um elixir divinal, capaz de transformar as úlceras em cicatrizes, tais quais as marcas de canivete estampadas no tronco da grande cerejeira. Nisso, elas tinham muito em comum.

Hoje, aos pés da grande cerejeira, ela se despiu de si e se vestiu da luz do fim da tarde, que driblava os galhos das árvores e tocava seu rosto, num singular ritual de magia branca, que tinha como louvor sacro o canto do casal de pássaros que ali pousara. Uma canção terna, maternal, que só ela compreendia, como na sua época de criança, quando passava as tardes ali, deitada, sonhando com o dia em que voaria para longe. Sua seiva corria por entre as veias conforme seu coração pulsava, e isso a tornava humana.

Ali, aos pés da grande cerejeira, ela se sente voltando ao útero para, mais uma vez, brotar do chão num ato milagroso de regeneração. Por que ela se sente assim? Não se sabe. Uma tentativa de entrar, mais uma vez, em seu esplendoroso mundo imaginário? Talvez. Importa que, hoje, ao levantar da grama e voltar para casa, ela trouxe consigo um embrião de contentamento, um acanhado sorriso e uma paisagem que só ali ela encontra.


3 comments:

jacques said...

olha só, menino!
múltiplos talentos.
parabéns pelo texto!!

abração.

descolonizado said...

[lindo]

aff... meu sonho era poder escrever assim.
adorei o ritmo do texto.

abraços.

Flaveetcho said...

é uma grande conselheira...
é na cerejeira que a gente pára, pensa e vê o que é que a gente tá fazendo.
é aos pés da cerejeira que a gente se descobre.
Muito lindo!

=]